sábado, 28 de agosto de 2010

Invernos que se foram

Uma travessia. O asfalto mesclava-se em vermelho e preto, era chegada a hora daquele amontoado de pedestres atravessar, alguns mais céleres, como se o ponteiro do relógio fosse um inimigo mortal e ágil, e outros preguiçosos, que se arrastavam sobre as listras brancas da faixa com certo esforço, levando a vida em suas próprias costas. Contudo, havia um homem que não se enquadrava em quaisquer classificações, ele mantinha-se parado. Nenhum movimento brotava de seus pés, de suas mãos, nem de sua boca, ele estava intacto como a estátua situada no meio daquela praça obsoleta que se encontrava logo após aquela travessia de listras. Era habitada apenas por alguns corvos que porventura pousavam ali a procura de algumas migalhas de alimento, trazidas juntamente com outros detritos pelo vento frio e rebelde que também arrastava as folhas mortas que jaziam naquele piso empoeirado e cheio de rachaduras.
Olhares atônitos penetravam as janelas de vidro dos carros em direção ao homem, que parecia se preocupar mais com todo o espaço a sua volta do que com aquelas cores oscilantes que determinavam o momento em que ele deveria seguir, e também parar. Sentia-se limitado para entrar no lugar onde ele passara a maioria de suas tardes naquela época em que sua mãe lançava-lhe olhares atentos ao mesmo tempo que um sorriso reluzente delineava os seus lábios, enquanto ele brincava com a neve que recobria todo o lugar nas poucas manhãs invernosas de Reiquiavique.
Sua mão direita soergueu-se de um dos bolsos do sobretudo, e passou certo tempo ali frente a sua cintura, pensante, mas então seguiu ao seu peito, tão vazio como a velha estátua e como aquele cenário antigo, que já não possuía mais os seus principais elementos, e que nunca voltaria a ser o mesmo, assim como aquela ranhura em seu peito nunca cicatrizaria.
O tom esverdeado da sinaleira indicou que todos poderiam seguir. O homem fitou a maquinaria ligeiramente, e em seguida direcionou os seus olhos ao relógio de pulso. Estava na hora. Uma dor incessante penetrou em seu coração velho, alguns gemidos incontidos de dor deixaram a sua boca. Ele já estava jogado ao chão, soltando os seus últimos suspiros quando uma rosa veio a pousar em sua mão, uma criança a jogara de um dos carros em movimento. O homem esforçou-se até conseguir libertar um sorriso, já não fazia aquilo havia tanto tempo, e por fim deixou-se adormecer naquele sono profundo. Ele esperara tanto por aquele dia, era a única forma de tentar voltar à Tudo.








Deângela

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