sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Retalhos

Minhas máquinas de costura, eu não sei onde as deixei. Pensei que as tivesse esquecido no sótão, mas isso havia sido há muito tempo, e quando a ideia me veio à cabeça elas já não estavam mais lá.  Ontem, revirando todo aquele âmbito pueril com uma mínima esperança que reluzia em meu interior, encontrei alguns conjuntos de linhas: algodão, poliéster, e seda, mas não as minhas máquinas, nada, nem uma peça, nenhum rastro sequer.  Agulhas também não me faltavam, era dona das de tricô e crochê, além das usuais para costura à máquina; entretanto as duas primeiras haviam caído em desuso, aquele tipo de trabalho manual já não era mais um de meus dotes. Ah, minhas queridas máquinas, como é difícil não tê-las aqui. Então, agora talvez seja melhor apenas fechar os olhos e esperar que tudo isso se estanque da forma mais natural e dolorosa. 






Deângela

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

O que não fica


 As gotas de chuva sobre a escritura do remetente fizeram manchar quase todo o envelope, o que o impossibilitava de ver quem havera sido o escritor da carta; talvez tivesse sorte e o encontrasse contido em alguma parte do corpo do papel.
A tinta ainda estava fresca, não havia muito tempo que a entrega misteriosa fora deixada  na soleira  de sua porta sem ao menos um rastro.
Ele massageava as mãos entre si, aguardava algo. Não sabia o que era ao certo, talvez o buscado nome, talvez somente o fim de todas aquelas letras, enfim, apenas deixava-se levar pela aquela ânsia que corria vorazmente em suas veias.  Por vezes, quando parava de tentar ressecar as mãos , passava a tamborilar os dedos sobre o mogno da bancada, mas de forma alguma deixava de fixar os olhos naquela charmosa caligrafia cursiva inglesa cravada naquele papel de carta ligeiramente mofado nas bordas, que pareciam ter guardado-o durante tanto tempo para ser dono apenas daquelas palavras. 
Ainda não havia feito toda a leitura daquele, estava perto, mas ainda não no fim. Engoliu a seco algumas vezes, como se prendesse algo dentro de si, e suspirou em outras, como se o alívio o houvesse dominado inteiramente. Seus olhos corriam apressados até chegarem à penúltima linha da carta, onde os mesmos foram reduzidos a uma lentidão brusca. “Não te deixes dissolver, lembre-se. Lembre-se de todas estas palavras que acabastes de ler”; eram as últimas palavras, logo sobre o Desconhecido. Uma onda de lágrimas deslizou sobre a sua face e gotejou o papel: estava tudo manchado e perdido.








Deângela

sábado, 9 de outubro de 2010

Escuro

O céu nublado acentua a obscuridade da noite onde a minha única fonte de luz surge da chama de uma vela, que se consume a cada instante. Meus ossos doem tanto quanto a minha mente e os meus ouvidos, e não se tem mais nada a fazer além de rabiscar algumas palavras inválidas. Hesito em olhar para os lados a cada vez que o ponteiro do relógio cumpre mais uma volta, e sempre acabo por cair na tentação, mas  nada encontro, nada que possa entorpecer as minhas dores. Mais uma olhada incerta, dessa vez para a vela , que por vezes derrama um pouco de cera sobre a madeira escura da mesa. Ela me ignora, e eu volto a limitar-me aquele papel.
Minha respiração ofega, e a minha garganta encontra-se completamente ressecada. Massageio ligeiramente as têmporas, mas nada me faz voltar. Resolvo deixar aquela sala vazia e ir até a rua, talvez algo pudesse alterar o meu estado.
Algumas sombras vagam carregando luzes inconstantes nas mãos, e minha visão torna-se ainda mais incapacitada. Conto trinta segundos mentalmente, fitando aquele cenário, e em seguida volto à antiga sala. Aconchego-me novamente na cadeira e seguro o grafite. Uma brisa gélida penetra pela porta entreaberta e dissipa a pequena chama à minha frente. Suspiro maquinalmente, e deixo o lápis escorregar por entre os meus dedos. Queria apenas mais uma vela.





Deângela

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

As mesmas faces, os mesmos sons, e as impressões desagradáveis de sempre

Não estou louca , apenas perdi o meu querer por tudo. Então não há necessidade de encarar estes comprimidos prescritos, são inúteis. Obrigado, mas toda essa cerca que me envolve é feita de futilidade, e talvez não haja uma maneira de irromper dela.
Olhares, palavras, gestos, são apenas mais alguns padrões que o viver nos traz sem significância alguma, uma correnteza que leva tudo o que traz e que nada me oferece. E quando olho para qualquer um desses sonâmbulos e vejo que nunca tiveram nada de tão especial, e nunca se importaram com isso, cobiço poder cessar as lágrimas que insistem em transbordar dos meus olhos a todo momento e manter-me ilesa como eles, fechando os olhos e me escondendo na noite atrás de um sonho que não existe.






Deângela

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Registros



Ontem, debruçada sobre aquela velha janela de carvalho observei um dos mais belos pores do sol junto a ti. Seus dedos contornavam os meus e em conjunto éramos revestidos por aquela luz incandescente e divina. Meu sorriso favorito estampava-se em seu semblante, e por um momento senti vontade de desafiar o tempo, de paralisá-lo. Talvez tenha conseguido, ao menos em minha mente. Mas logo os seus lábios contraíram-se em uma de minhas têmporas e enfim a noite chegara, levando você embora assim como ao sol.
Cochilei um pouco, aconchegada no couro da poltrona em um dos recantos daquelas quatro paredes, tentando prender-me um pouco mais a ti.
Mas hoje, quando despertara me dera conta que tudo mudara. Ah, hoje...
Já não sei mais em que me apoiar. Já não sei mais o que procuro quando encontro o teu olhar. Algo passou a alimentar-se de meu sangue, a sugar as minhas únicas esperanças. E agora, nada mais digno que a dor e o vazio me consomem. Tudo parece tão incerto: as suas escolhas, as minhas escolhas. O seu doce toque em minha face, o seu cheiro irresistível, que marcou cada fração de segundo que te acompanhei, tudo isso tornara-se insignificante. Aqueles momentos agora são apenas mais algumas gravações em minha memória, como aquelas que costumávamos assistir e que com o tempo se extraviaram.
Deângela

sábado, 28 de agosto de 2010

Invernos que se foram

Uma travessia. O asfalto mesclava-se em vermelho e preto, era chegada a hora daquele amontoado de pedestres atravessar, alguns mais céleres, como se o ponteiro do relógio fosse um inimigo mortal e ágil, e outros preguiçosos, que se arrastavam sobre as listras brancas da faixa com certo esforço, levando a vida em suas próprias costas. Contudo, havia um homem que não se enquadrava em quaisquer classificações, ele mantinha-se parado. Nenhum movimento brotava de seus pés, de suas mãos, nem de sua boca, ele estava intacto como a estátua situada no meio daquela praça obsoleta que se encontrava logo após aquela travessia de listras. Era habitada apenas por alguns corvos que porventura pousavam ali a procura de algumas migalhas de alimento, trazidas juntamente com outros detritos pelo vento frio e rebelde que também arrastava as folhas mortas que jaziam naquele piso empoeirado e cheio de rachaduras.
Olhares atônitos penetravam as janelas de vidro dos carros em direção ao homem, que parecia se preocupar mais com todo o espaço a sua volta do que com aquelas cores oscilantes que determinavam o momento em que ele deveria seguir, e também parar. Sentia-se limitado para entrar no lugar onde ele passara a maioria de suas tardes naquela época em que sua mãe lançava-lhe olhares atentos ao mesmo tempo que um sorriso reluzente delineava os seus lábios, enquanto ele brincava com a neve que recobria todo o lugar nas poucas manhãs invernosas de Reiquiavique.
Sua mão direita soergueu-se de um dos bolsos do sobretudo, e passou certo tempo ali frente a sua cintura, pensante, mas então seguiu ao seu peito, tão vazio como a velha estátua e como aquele cenário antigo, que já não possuía mais os seus principais elementos, e que nunca voltaria a ser o mesmo, assim como aquela ranhura em seu peito nunca cicatrizaria.
O tom esverdeado da sinaleira indicou que todos poderiam seguir. O homem fitou a maquinaria ligeiramente, e em seguida direcionou os seus olhos ao relógio de pulso. Estava na hora. Uma dor incessante penetrou em seu coração velho, alguns gemidos incontidos de dor deixaram a sua boca. Ele já estava jogado ao chão, soltando os seus últimos suspiros quando uma rosa veio a pousar em sua mão, uma criança a jogara de um dos carros em movimento. O homem esforçou-se até conseguir libertar um sorriso, já não fazia aquilo havia tanto tempo, e por fim deixou-se adormecer naquele sono profundo. Ele esperara tanto por aquele dia, era a única forma de tentar voltar à Tudo.








Deângela

sábado, 21 de agosto de 2010

Cronômetro




Eu sempre soube que depois daquele segundo seria para sempre, que eu não seria mais a mesma, que tudo não seria mais o mesmo. Por isso eu tentava delongar mais o tempo para que talvez no fim tudo fosse menos doloroso. Quem me dera poder começar tudo de novo, construir o meu próprio cruzamento, e optar por nunca mais parar.
Os sentimentos desordenaram-se em minha alma, alguns se dissiparam em meio a todo aquele vazio que me dominou depois que você se foi, e outros, bom, os outros eu apenas sei que continuam dentro de mim. É difícil manter-se intacta com toda essa tormenta que a sua falta me causa. Falta-me forças para cumprimentos solenes, falta-me inspiração para as palavras, falta-me uma nova escolha. Agora, a melancolia consome a minha carne, e eu não sei se esconder tudo isso atrás de um sorriso jubiloso é a melhor escolha a se fazer, porém a fiz.

sábado, 31 de julho de 2010

Pequenos balões de Apoline




O cachecol azul tapava-lhe a boca , mas a a alegria demasiada estampava-se durante toda a sua face e aquele sorriso amarelado jamais poderia ser omitido, mesmo nunca tendo sido revelado. Sua viajem naquele balão antigo guiava-se de forma mais rápida, sem mais tormentas. Apoline retirava delicadamente algumas pétalas de roseiras alaranjadas do buquê que ganhara antes de alçar voo, queria compartilhar do seu presente com as nuvens. Nuvens que com suas diversas formas construíam um mundo diferente e místico; Apoline adorava isso, pois as coisas mais belas e amadas eram sempre apreciadas pelos seus orbes em forma de pequenos plumas de algodão. As pétalas vagavam de forma doce, criando um contraste divino com o azul celeste daquela manhã , e assim como elas, sem rumo, Apoline seguia a sua guinada imprecisa, satisfeita com o resultado que obtivera depois que a chuva se passara, o sol adormecera, e o vento acalmara-se.

domingo, 18 de julho de 2010

Liberdade e felicidade


Um rodopio e um grito antes sufocado. Agora você finalmente se sente livre, e o fim nunca soara tão agradável. Seus pés fogem a todo momento, não conseguem simplesmente se manterem fixos no chão. E sua mente, suas mãos, e seu coração seguem o mesmo percurso.
Então, é um novo dia, você se sente mais velho, porém mais forte, como se o sangue derramado tivesse se convertido em algo rígido que novamente acoplara-se ao seu corpo. E assim como a chuva levara todo o calor de seu corpo, a dor levou embora todo o seu amor, agora o seu coração é tão negro quanto o véu cinzento que veste os céus, mas você se sente feliz por tudo isso.
Sombras coloridas dançam como marionetes ambulantes, e gargalhadas ecoam pelo corredor, dentre elas encontra-se a sua, que estava ali a assistir tudo aquilo sentada em meio ao chão empoeirado com aquele bloco de folhas em branco e caneta velha. Não haviam palavras para saltarem por entre os seus lábios, nem para riscarem aquele papel.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Miosótis



Os raios de sol penetravam pelo vidro da janela e iluminavam todo o cômodo assim como ao seu sorriso. Suas mãos acariciavam as minhas madeixas negras e eu apenas procurava me manter intacta. Nenhuma brisa me acalentava tanto como a sua respiração, assim como nenhuma ressonância acalmava tanto os meus ouvidos como a dos seus batimentos cardíacos. Algumas palavras saltavam por entre os seus lábios, mas eu não conseguia identificar de forma precisa os seus significados, estava ocupada demais fitando as miosótis que eu trouxera da minha terra e procurando alguma forma de entregá-las a ti. Porém nada me vinha a mente, aquelas cinco pétalas só me traziam lembranças d passado, de todos os momentos que havíamos passado. Faziam-me desfrutar de toda aquela mentira que eu alimentara um dia, e que ainda continuava mantendo. Era difícil apreciar os seus olhos, sorrir diante de suas brincadeiras, e por isso eu estava ali perto de ti, para frustrantemente tentar acabar com algo que nunca começara, a não ser em minha imaginação aguçada.
Não tinha a devida certeza do que iria fazer, entretanto sabia que tinha que fazer. Então posicionei minha mão sobre a sua e direcionei os meus olhos aos seus, pela primeira vez desde que eu chegara ali o meu olhar confrontava o seu. As palavras que despencavam de sua boca cessaram durante um minuto. Desvirei sua mão sobre a mesa de forma que os traços em toda a sua superfície ficassem visíveis, e deixei que as miosótis caíssem vagarosamente sobre ela. Em seguida, entrelacei os meus dedos aos seus, sentindo não só a sua pele quente, mas também a maciez das flores, e sussurrei “Nunca te esquecerei”. Algumas lágrimas deslizaram pela minha face enquanto a maçaneta da porta cumpria o seu ângulo final.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Rabiscos e rachaduras no reflexo pálido



Acordei e desejei que eu estivesse morto. Reviravoltas constantes em minha mente me atordoavam. Sem saber o que fazer, sem saber o que pensar. Nada. Então você apenas faz, pensa, e age. Baseio-me no passado, mas tudo o que faço no presente parece vazio, como se as coisas não tivessem uma contemplação, como se esse significado só viesse com o tempo, que talvez não exista.
Dar um tempo por você, criar um mundo novo e nele permanecer por horas e horas olhando as variadas formas que as nuvens tomam, ou simplesmente manter-se inerte até a minha dor de cabeça entorpecer. Era isso que eu queria. Um mundo rabiscado pelos meus lápis de cores, antigos e desusados, onde o vento soasse como os meus suspiros. Onde o tempo fosse explícito e suficiente para que eu pudesse contar os anos passados, cada dia, a cada segundo.
O frio transformava minha respiração em pequenas nuvens, e a minha visão desvanecida aos poucos voltava à tona, fosca como sempre. Dez mil planos de propagação dos meus passos prodigalizam-se em um único piscar de olhos. Era tudo tão sintético, mas era tudo que eu queria ter.



sábado, 19 de junho de 2010

Limítrofe


Um mistério para você, um hábito para mim. Eu consigo enxergar o seu lado cego, e é por isso que eu vejo, porque seus olhos estão fixados no coração, libertados da escravidão mental.

Embora as colinas ainda sejam um pouco turvas, eu ainda consigo ver o fim de algo, de tudo. E mesmo longe, ele parece ser a previsão mais precisa e iluminada. Por isso, abra os olhos, e desloque os seus lábios. Uma palavra ou duas podem mudar muitas coisas, talvez toda uma destinação, e talvez algumas pequenas grandes coisas. Andar sobra essa linha juntamente com as ondas oceânicas não é algo tão simples de realizar. Por isso tome cuidado com os passos em falso, eles são o necessário para um desequilíbrio total. Os espiões saíram da água. Como um fugitivo, não tente chamar a atenção daqueles que te olham cautelosamente, embora eles já estejam rindo e questionando os seus princípios.

Caminhe, tente ser rápido e equilibrista, você tem um objetivo, quer encontrar o pedaço do seu coração que lhe roubaram, o mais precioso. Pequenas sombras brancas piscam e você as perde, está desnorteado. Apenas mais uma parte do sistema, obstáculos ópticos. Não desista. Nós somos todas as coisas, é só uma questão de descoberta. Abra os olhos.



sábado, 12 de junho de 2010

Sem destinário


O destino é muito bom comigo por me fazer estar ali com você, pois se nós não tivéssemos nos encontrado nesse mundo, minha tola crença em sonhos certamente teria continuado a mesma.

Meus braços enroscados em você fazem os meus sentimentos aflorarem-se fortemente, apesar de eu dissimular tudo isso. Cada momento que nós gastamos juntos assimila-se a um tesouro precioso que eu guardo no baú do meu coração.

Não consigo simplesmente parar e ficar em qualquer outro lugar que não seja perto de você, te olhando meticulosamente. Todos os seus traços possuem um toque de perfeição, e é quase impossível descravar os meus olhos de ti, assim como livrar-se da gravidade é algo inalcançável.

Sou um detetive, pois desvendei o mistério do meu amor, desde a primeira vez que você segurou a minha mão e tomou posse do meu coração. Sim, eu tenho testemunhas para esse caso, apesar delas nunca terem sido expressas. Três simples pequenas palavras engasgadas em minha garganta: eu te amo. Sigilo.