quarta-feira, 20 de outubro de 2010

O que não fica


 As gotas de chuva sobre a escritura do remetente fizeram manchar quase todo o envelope, o que o impossibilitava de ver quem havera sido o escritor da carta; talvez tivesse sorte e o encontrasse contido em alguma parte do corpo do papel.
A tinta ainda estava fresca, não havia muito tempo que a entrega misteriosa fora deixada  na soleira  de sua porta sem ao menos um rastro.
Ele massageava as mãos entre si, aguardava algo. Não sabia o que era ao certo, talvez o buscado nome, talvez somente o fim de todas aquelas letras, enfim, apenas deixava-se levar pela aquela ânsia que corria vorazmente em suas veias.  Por vezes, quando parava de tentar ressecar as mãos , passava a tamborilar os dedos sobre o mogno da bancada, mas de forma alguma deixava de fixar os olhos naquela charmosa caligrafia cursiva inglesa cravada naquele papel de carta ligeiramente mofado nas bordas, que pareciam ter guardado-o durante tanto tempo para ser dono apenas daquelas palavras. 
Ainda não havia feito toda a leitura daquele, estava perto, mas ainda não no fim. Engoliu a seco algumas vezes, como se prendesse algo dentro de si, e suspirou em outras, como se o alívio o houvesse dominado inteiramente. Seus olhos corriam apressados até chegarem à penúltima linha da carta, onde os mesmos foram reduzidos a uma lentidão brusca. “Não te deixes dissolver, lembre-se. Lembre-se de todas estas palavras que acabastes de ler”; eram as últimas palavras, logo sobre o Desconhecido. Uma onda de lágrimas deslizou sobre a sua face e gotejou o papel: estava tudo manchado e perdido.








Deângela

Um comentário:

  1. Que Blog lindo, que texto perfeito! Suas palavras encantam. Melodiosas, transpiram uma harmonia rara, quase que extinta. Quero ser tripulante também! (=

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