Submarino Adormecido
quinta-feira, 3 de junho de 2010
Retrato falado
Eu te observava pela porta entreaberta, sentada no último degrau da escada. Adorava apreciar a forma com que você assistia aos seus concertos favoritos, alternando as suas feições entre felizes e concentradas na ritmia da melodia. Aquelas notas penetravam em meus pequenos tímpanos e ali permaneciam, assim como as imagens que o meu olhar mirava eram guardadas em meu minúsculo baú mental. Talvez você nunca tenha me notado ali, nem quanta inspiração sua brotou em mim.
A forma como você me fazia sorrir ainda hoje diverte os meus pensamentos. Você tão grande, e eu tão pequena, e nós juntos sentados à mesa soltando gargalhadas provocadas por um breve relato de um filme que você assistira na noite anterior. Duas crianças.
O seu jeito de ser, o seu dom para lidar com tudo de forma calma, as suas risadas ambíguas sempre me impressionaram, mesmo que não explicitamente. Não explicitar. Essa foi mais umas das coisas que aprendi com ti, pois entregar as respostas ao mundo é tão leigo e descorçoado.
Você é tão enigmático, mesmo sentado naquele sofá, fitando as imagens que aquele aparato tecnológico lhe produz. O seu olhar interessado esconde tantas coisas que eu almejo saber, entretanto conformo-me com as decisões do tempo, porque ele tem as respostas pra tudo, e talvez um dia traga-me todas as explicações que eu anseio conhecer, como trouxe em outrora. E eu por vezes chego a divertir-me com essa espécie de criptograma, pois fazer descobertas relacionadas ao teu ser é o meu maior gozo.
Por um deslize deixei que um de meus pés escorregasse do espaço de um degrau em que eu estava contida, e grunhisse ao tocar a madeira do degrau inferior. Você direcionou a cabeça para onde eu estava e me fitou de relance, fui descoberta. Tentei me esconder, mas não fui rápida o suficiente, desci a escada de forma atrapalhada. Fui para o meu quarto, pisei em alguns brinquedos dispersos no chão, mas enfim o encontrei o que queria.
Diante daquele espelho eu puder te ver, o mesmo olhar, o mesmo sorriso torto, tudo. Era eu.
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